De quatro em quatro anos, sempre que se aproximam os jogos olímpicos, invariavelmente a imprensa pública a história de Jesse Owen e de Hitler. Repetem sempre a mesma e inverídica história: Hitler, o arauto da superioridade racial ariana, teria se negado a cumprimentar o vitorioso velocista norte-americano, por este ser negro. As quatro medalhas de ouro obtidas por Owens eram uma "bofetada" no mito de superioridade alemã, coisa que o Führer não poderia aceitar.
Essa lenda, que perdura já há 60 anos, foi criada por jornalistas esportivos norte-americanos durante os próprios Jogos Olímpicos de 1936, que estavam sendo realizados em Berlim. Vamos então aos fatos. Hitler para não empanar o espetáculo, permitiu que alguns judeus participassem na delegação alemã (como a esgrimista Helena Mayer e o jogador de hóquei Rudi Ball). Não só isso, encarregou um outro judeu, o capitão Wolfgang Fürstner, de organizar a Vila Olímpica. O mundo "liberal" respirou aliviado, autocongratulando-se por sua pressão ter resultado algum efeito. Iniciados os jogos, com a entrada triunfal do Führer no estádio de 110 mil pessoas, ele, entusiasmado, tratou de não perder nenhuma competição importante.
Jesse Owens recebe a medalhe de ouro seguido de um japonês e do alemão Lutz Lange
Quando a primeira medalha de ouro foi conquistada por um atleta alemão, o arremessador Hans Wölke, Hitler foi pessoalmente cumprimentá-lo. Na mesma ocasião congratulou-se com mais três fundistas filandeses e duas atletas alemãs. Foi então que o Presidente do Comitê Olímpico resolveu intervir. Disse a Hitler que ele, na qualidade de convidado de honra, deveria doravante ou cumprimentar todos os atletas vencedores ou não felicitar mais nenhum. Como não podia estar presente a todos os momentos em que os campeões eram agraciados, Hitler optou então por não descer mais da tribuna de honra. Quando Jesse Owens ganhou as medalhas, Hitler já tinha tomado a sua decisão. E, ao contrário de ter-se mostrado indignado, abanou efusivamente para o grande atleta. Nas palavras do próprio Jesse: “Quando eu passei, o Chanceler se ergueu, e acenou com a mão para mim: eu respondi ao aceno...”
Foto pouco divulgada do atleta alemão Lutz Lange e Jesse Owens juntos após competirem
A razão do gesto era muito simples. O Nazismo exaltava acima de tudo, o vigor físico e a estampa, não importando qual fosse a raça. Aquele que revelasse alguma musculatura e virilidade, harmonizada num belo corpo, tinha sua imediata aprovação. Tanto isso é fato que Leni Rienfenstahl, a cineasta do regime, quando depois da guerra resolveu auto-exilar-se na África, fez uma notável bateria de fotos celebrando a plástica dos retintos núbios. A ironia dessa história é de quem de fato discriminava os negros (que na Alemanha nazista eram olhados como atraentes excentricidades) era a delegação norte-americana, que os segregavam durante os próprios jogos olímpicos.
E mesmo quando a guerra eclodiu uns tempo depois, eram os norte-americanos quem não permitiam que os batalhões negros acampassem misturados aos brancos. Joe Louis, o campeão mundial de boxe, convocado para lutar, era obrigado a andar na parte traseira dos ônibus militares. A ironia final veio com o enorme esforço da mídia mundial em provar que os jogos de Berlim foram uma tentativa frustrada de Hitler de mostrar uma suposta superioridade alemã. Mas como lenda é lenda, abaixo segue o quadro geral de medalhas até hoje omitido do público desta que foi uma das Olimpíadas mais bem organizadas.
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